Governo ‘está chutando’ sobre
Zika e pode protagonizar ‘escândalo global’, diz professor da USP
01/03/2016 10h54 –
Atualizado em 01/03/2016 10h54
Para Alexandre Chiavegatto,
ainda não é possível ter certeza de que vírus seja causa de microcefalia e
Brasília pode acabar responsabilizada por ‘pânico’ internacional.
Ruth Costas e Ingrid Fagundez
Da BBC, em São Paulo
Professor da USP diz que não há
pesquisas e evidências suficientes para mostrar relação entre zika e
microcefalia (Foto: AP)
Apesar de o ministro da Saúde,
Marcelo Castro, dizer que não há mais dúvidas de que o zika causa microcefalia
em recém-nascidos, há quem questione a afirmação e critique o tom de certeza do
governo.
“É questão superada”, disse
recentemente Castro, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. “A causa da
epidemia de microcefalia é o vírus Zika. O que não tem resposta ainda é se o
vírus é causa suficiente para provocar microcefalia ou se precisa de alguns
fatores contribuintes.”
Para o professor de
epidemiologia da USP, Alexandre Chiavegatto, porém, qualquer cientista que
analisar com rigor as evidências que vêm sendo enumeradas pelo ministro para
provar essa relação causal se dará conta de que elas são insuficientes.
“Se formos analisar isso com
rigor científico, o governo está chutando, tem quase que um palpite de que o
Zika causa microcefalia. E o problema é que se estiver errado poderá ser responsabilizado
pelas consequências do pânico que causou. Seria o maior escândalo global da
área de saúde dos últimos anos. Tema de tese, de livro”, diz ele.
O professor da USP faz a
ressalva de que não está dizendo que o vírus Zika não causa microcefalia.
“É possível que sim”, completa.
“Hoje, se eu tivesse de apostar, ainda colocaria minhas fichas na existência
dessa relação (de causa), mas ciência não é aposta e temos de admitir que estão
surgindo evidências que mostram que precisamos de mais pesquisas.”
No momento, a comunidade
científica parece estar dividida sobre o tema.
Parte diz acreditar que os
estudos são suficientes para fazer essa relação causal entre zika e
microcefalia.
Entre as pesquisas citadas por
essa parcela estão um trabalho publicado no mês passado na revista científica
The New England Journal of Medicine, que relatou o caso de uma jovem da
Eslovênia, infectada por zika em Natal (RN), no primeiro trimestre da gestação.
O estudo está sendo considerado
o mais completo já realizado por contar com imagens do feto, análises
patológicas do cérebro danificado pelo vírus e o sequenciamento completo do
vírus da zika encontrado nas estruturas cerebrais do bebê.
“Para mim, é evidência
definitiva. Não se fala em outra coisa entre os cientistas”, disse o
infectologista Esper Kallas, também professor da USP, à Folha.
Críticos
Do outro lado, porém, também vem crescendo o número de cientistas que, como
Chiavegatto, pedem mais estudos para que seja estabelecida uma relação causal.
A diretora-geral da Organização
Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, por exemplo, parece ter endossado esse
coro na semana passada, defendendo que deve ser uma prioridade o investimento
em estudos sobre a associação da infecção com a anomalia neurológica.
“É preciso chegar a fundo dessa
questão que é inusitada. Vejo que estudos [sobre a associação do vírus da zika
com a microcefalia] estão sendo feitos no Brasil e em outros países e eles são
muito importantes”, afirmou Margaret à imprensa durante uma visita a um
hospital no Recife.
Em dezembro, um comunicado da
organização reconheceu pela primeira vez oficialmente a relação entre o zika e
os casos de microcefalia ao mencionar um estudo brasileiro do Instituto Evandro
Chagas, que revelou a presença do vírus em um bebê microcéfalo.
“Há uma conexão entre as duas
coisas, mas causalidade é uma outra história. Não podemos dizer 100% que é só o
zika vírus a causa da microcefalia, ela pode ser atribuída a diversas questões.
Há uma conexão porque há um evidente aumento nos casos de microcefalia no
Brasil ao mesmo tempo em que há um surto de zika no país”, afirmou na época à
BBC Brasil o especialista da OMS Marcos Espinal, diretor do departamento de
doenças comunicáveis da Organização Pan-Americana de Saúde.
Em nota, o Ministério da Saúde
disse que a relação entre o vírus Zika e os casos de microcefalia “foi
confirmada após analise de exame realizado em um bebê, nascido no Ceará, com
microcefalia e outras malformações congênitas”. De acordo com o ministério, a
análise foi feita em amostras de sangue e tecidos, onde foi identificada a
presença do vírus Zika pelo Instituto Evandro Chagas, órgão do ministério em
Belém (PA).
“A partir desse achado do bebê
que veio a óbito, o Ministério da Saúde considerou confirmada a relação entre o
vírus e a ocorrência de microcefalia. Essa é uma situação inédita na pesquisa
científica mundial.”
No informe, o órgão diz que a
relação foi reforçada por outros fatos, como resultados positivos em amostras
no líquido amniótico de gestantes cujos bebês apresentaram microcefalia, no
sangue e tecidos de crianças com microcefalia e no tecido de fetos e placenta
após aborto.
Casos no Nordeste
O ministério da Saúde também costuma apontar como evidência de que o Zika possa
causar microcefalia o fato da região Nordeste, bastante afetada pelo vírus,
também ter registrado um grande número de casos da malformação fetal.
“No início de 2015, tivemos
epidemia de zika no Nordeste. Nove meses depois, uma epidemia de microcefalia.
Onde? Exatamente no Nordeste. Epidemiologicamente está estabelecida a relação”,
disse o ministro à imprensa.
Segundo Chiavegatto, pelos
estudos feitos até agora, por enquanto sabemos, basicamente, que foi encontrado
o vírus Zika no cérebro de bebês com microcefalia e que o Zika pode passar para
a placenta da mãe e líquido amniótico. Para o professor da USP, porém, esses
dados são inconclusivos.
Como alguns cientistas dessa
linha mais cética costumam explicar, tais estudos mostram que o Zika estava no
local do crime, mas não que cometeu o assassinato.
Entre as evidências mencionadas
por Chiavegatto que ainda precisam ser explicadas está o fato de a Colômbia ter
registrado mais 7 mil grávidas com zika e, por enquanto, apenas um caso de
microcefalia que poderia ser associada à doença.
“Mas é claro que também é
possível que os casos de microcefalia estejam apenas começando a aparecer por
lá, porque a epidemia de zika chegou mais tarde na Colômbia”, diz o professor.
“Os dados colombianos também precisam ser tratados com rigor e precisamos estar
abertos a todas as possibilidades.”
Outra questão que ainda
precisaria de resposta, segundo ele, seria o caso do Sergipe.
Segundo uma reportagem publicada
pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo, o menor Estado da Federação tem,
proporcionalmente a sua população, o maior número de casos registrados de
microcefalia do país (192), mas nenhum caso confirmado de infecção por vírus
Zika.
Subnotificação
Alguns cientistas também questionam a possibilidade de se tirar qualquer
conclusão com base nas estatísticas do governo para microcefalia, que para eles
seriam falhas.
Dois estudos publicados pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) e feitos na Paraíba e em Pernambuco sugerem
que havia uma subnotificação de casos de microcefalia antes da epidemia de
zika. Ou seja, menos casos eram informados às autoridades. O número oficial,
geralmente usado na comparação, é de 150 casos por ano na fase pré-zika.
Um desses estudos, por exemplo,
avaliou bases de dados oficiais com informações de mais de 100 mil bebês
nascidos na Paraíba e concluiu que até 8% das crianças registradas entre 2012 e
2015 se encaixavam nos critérios de diagnóstico de microcefalia.
“Acho que o governo tem medo de
errar, de voltar atrás. Então em vez de admitir o erro sobre a certeza (da
relação causal entre zika e microcefalia) resolveu dobrar a aposta. Está
causando alarde com a desculpa de que o alarmismo ajuda a prevenção – e acho
que, de fato, ajuda. Mas gerar pânico com uma mentira também pode ter um custo
bastante elevado”, diz Chiavegatto.
O professor cita os bilhões de
reais supostamente perdidos no Brasil e demais países atingidos com a queda no
turismo. Também os casos de grávidas que, após pegarem zika, resolveram abortar
em diversos países. “Imagine só como vai ficar a cabeça dessas mulheres mais
para frente se ficar provado que a relação não era tão direta, por exemplo, que
havia mais fatores envolvidos, ou que a relação causal não existia” afirma ele.
“Por isso é essencial que a
comunicação com a população seja feita de forma cuidadosa e bastante franca”,
defende.
Segundo o último balanço do
Ministério da Saúde, já são 583 casos confirmados de bebês com microcefalia ou
alterações no sistema nervoso central em 16 Estados do país.
O Ministério da Saúde diz que
está “se aprofundando na análise dos casos, além de acompanhar outras análises
que vem sendo conduzidas pelos seus órgãos de pesquisa e análise laboratorial”.
“O Governo Federal e
representantes do Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC, na sigla em
ingês), dos Estados Unidos, estão trabalhando em conjunto na análises desses
materiais. O CDC é referência para a OMS em doenças transmissíveis”, diz uma
nota do ministério.
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