Entrevista
a Eckhart Tolle:
Os pensamentos já não me controlam.
Será
possível silenciar a voz incansável que fala sem parar, na nossa mente? De quem
é que será essa voz? Será possível ir para além do pensamento? Essas foram as
perguntas que acossaram Eckhart Tolle durante um tempo. O ruído na sua mente
foi crescendo até que esta entrou em colapso no meio da angústia e da
ansiedade. A voz da mente calou-se e os seus pensamentos deixaram de o fazer
sofrer. Os espaços de silêncio entre pensamentos, aumentaram e a paz e
tranquilidade instalaram-se na sua vida.
De
repente, como num relâmpago, conseguiu o estado que os monges zen, nos seus
mosteiros, perseguem durante décadas e muito poucos alcançam. Como consequência
desta experiencia, abandonou o seu cargo de investigador na Universidade de
Cambridge e dedicou-se a dar seminários pelo mundo, falando da importância de
dominarmos os nossos pensamentos, que sempre foram os nossos donos e de viver o
momento presente, porque é o único que existe. Pessoalmente transmite
autenticidade e as suas conferências são uma viagem ao momento do agora, esse
lugar que se encontra entre dois pensamentos.
Fizeste
uma descrição muito correcta do ego. Como foi que conseguiste tanta clareza?
Tudo
começou uma noite em que experimentei uma espécie de transformação da
consciência. De repente, no dia seguinte encontrei-me num estado de paz
interior que nunca mais me abandonou. Desde então sempre tenho no mais profundo
de mim, esse estado de paz. Antes tinha vivido em estados de depressão e
ansiedade e quando me sucedeu aquela transformação, não o entendi, não fazia
ideia do que me tinha acontecido, só sabia que estava em paz.
Demorei
alguns anos para compreender gradualmente o que me tinha acontecido. Comecei a
ler livros espirituais, textos antigos e alguns novos; estava a tentar comparar
o que me tinha sucedido a mim com o que esses livros diziam. Uma coisa estranha
sucedia-me cada vez que abria um livro espiritual hindu ou cristão: entendia
imediatamente a essência. Os textos e conversas com os outros mestres espirituais,
monges budistas, iogues…explicaram-me o que me tinha passado. Dois anos depois
da transformação, eu estava num Monastério a falar com um monge budista zen que
me disse que o essencial do zen consiste em ir mais além do pensamento. Então
entendi que isso tinha sido o que me tinha sucedido, porque depois de aquela
noite os meus processos mentais tinham-se reduzido aproximadamente um 80%, em
relação ao que eram anteriormente.
Na minha
mente havia muitos espaços sem pensamentos, não inconscientes, mas sim muito
conscientes, mas sem processo mental. O estado de paz sempre tinha estado aí,
mas estava oculto pelo ruido mental contínuo e gradualmente comecei a entender
qual era a essência da transformação espiritual. Todos os mestres falam da
mesma coisa; utilizam palavras diferentes mas no fundo todos se dirigem para o
mesmo estado. Depois reconheci-o também nos evangelhos de Jesus, nalgumas
coisas que Ele disse. Eu sabia que detrás daquelas palavras havia alguém que
também o sabia.
Como foi
que surgiu o livro “O Poder do Agora”?
Depois da transformação, as pessoas que encontrava
nas ruas ou por casualidade, começaram a fazer-me perguntas. Muitas vezes eu
não sabia a resposta até que a escutava a sair da minha boca. Esse foi o princípio
deste ensinamento espiritual que se desenvolveu de forma muito informal. Dois
ou três anos depois, alguém me chamou “mestre espiritual”. Fiquei muito
surpreendido. Às vezes eu anotava as coisas que dizia, para recordá-las depois,
porque até então eu não sabia que o sabia e alguns anos mais tarde, utilizei
essas notas quando escrevi o livro.
Tiveste
uma experiencia de despertar espiritual muito forte. Pensas que todo o mundo
deve passar pelo mesmo ou pode ser de outra forma?
Uma
mudança tão radical sucede a muito poucas pessoas. Para quase todos, é uma
mudança gradual ou um processo que não se parece em nada ao que me sucedeu. Não
sei porque me aconteceu a mim, mas assim foi. Para quase todos os que conheço,
trata-se de uma transformação gradual.
Quando te
perguntas: porque me sucedeu a mim? Tens alguma intuição sobre a resposta?
Eu sei
que o sofrimento foi uma parte muito importante no meu despertar. Sem esse
sofrimento emocional, essa transformação não teria ocorrido. Isso foi
fundamental. Mas nunca me faço essa pergunta de porque me sucedeu. Vejo-o de
outro modo; não é que algo me tenha sucedido a mim, mas sim que o meu “eu”
tornou-se quase transparente e então algo, que sempre tinha estado mais além do
“eu”, um poder muito maior, começou a surgir.
Agora
que vendes milhões de livros e dás conferências, perante grandes audiências,
suponho que muita gente já te idealizou. Como lidas com isso?
São projecções, porque eles pensam que eu sou
especial. Mas todo o poder do ensino espiritual vem através desta forma que sou,
pelo simples facto de que eu sei que não sou ninguém especial. Muita gente
identifica o poder do espirito, que vem através da forma, com a forma e é muito
importante não aceitar essas projecções. Eu sou muito consciente delas e não as
aceito, penso que são ilusões.
No momento em que eu pensasse que sou muito
especial, estaria a identificar-me, novamente, com um pensamento condicionado. Eu
sei que isso já aconteceu com alguns mestres espirituais. O perigo ainda é
maior quando se vive num “ashram”, rodeado de discípulos e sem contacto com
outras pessoas. Passados alguns anos começas a acreditar que és o que os outros
crêem que és. E o ego regressa. Já o vi nalgumas pessoas.
Falas de
ir mais além do pensamento. Para pessoas que estamos habituadas a estar quase
sempre identificadas com o pensamento, como podemos imaginar esse outro estado
que propões?
Não é
preciso imaginá-lo. Quase todos são capazes de experimentar, ainda que seja por
um brevíssimo momento o que significa estar sem pensamentos e ao mesmo tempo
estar plenamente consciente. A maioria das pessoas não se dá conta de que,
nalguns momentos, inclusivamente num dia normal, existem sempre, esses
intervalos muito pequenos entre dois pensamentos. As pessoas que não têm esses
intervalos estão muito doentes psicologicamente. Mas se na tua vida ainda
existe, de vez em quando a alegria de ser ou o amor, a compreensão ou a beleza;
se respondes interiormente a algo belo, isso significa que existem esses
intervalos, porque é de aí que eles surgem.
Os pensamentos
não podem reconhecer a profundeza do que é lindo. O amor ou a compaixão não vêm
através dos pensamentos, vêm de uma dimensão mais profunda e as pessoas que não
têm acesso a essa dimensão nunca experimentam a beleza, o amor, a compaixão ou
uma alegria mais profunda do ser. Nesta civilização louca (risos), há pessoas
que já não têm na sua vida, essas experiências de amor, beleza e paz interior,
de vez em quando; falta-lhes tudo isso e nessas pessoas o ruído mental
continua, sem interrupções.
Qual é o
primeiro passo para silenciar a mente?
Tomar consciência de que esses espaços existem num
dia normal. Quando estás a olhar uma árvore, ou o céu, as nuvens, etc., nesse
momento não existe nenhum pensamento. Somente a percepção e a consciência
através da qual a percepção sucede. Um espaço. O primeiro passo consiste em
dar-se conta de que sem fazer nada, existem alguns espaços na nossa vida. Depois,
podem-se buscar esses espaços activamente. Eu recomendo fazer coisas que
fazemos normalmente, como lavar as mãos, tomar um café, caminhar, subir a
escada, no ascensor…sendo conscientes do acto e do momento e sem fazer disso um
meio para um fim, mas um objectivo em si mesmo. Lavar as mãos e sentir a água e
o sabão, secá-las…somente a percepção e a consciência.
Outra
coisa que também recomendo é que quando entres no carro, feches a porta e
fiques uns trinta segundos sem fazer nada, somente a sentir o corpo, a vida
dentro dele. Não é muito, 30s, mas muitos destes momentos num dia dão início a
uma mudança. Esses pequenos momentos nos que não pensamos senão em que estamos
conscientes sem pensar. É mais importante ter muitos momentos pequenos durante
o dia do que estar numa meditação de meia hora todos os dias e depois passar
todo o resto do dia sem ter espaços. Então começa uma mudança, surge a
consciência não condicionada, a consciência pura.
O resto,
os pensamentos, são uma forma de consciência condicionada pelo passado. Quase
toda a gente está presa num sentido do “eu”, que depende dos pensamentos
condicionados e uma imagem mental que tem de “quem sou”, ou seja, uma
identidade que depende dos pensamentos. Isso significa mover-se na superfície
da vida sem nunca ir mais profundamente. Uma vida desse modo é muito
insatisfatória, sempre com sofrimento. Se a tua vida se desenvolve somente na
superfície do ser, que é quando te identificas sempre com os pensamentos, então
está-te a faltar profundeza e estás a sofrer.
Se eu
não sou os pensamentos, então quem sou eu?
Não és
os pensamentos, és o espaço desde o qual surgem os pensamentos. E o que será
esse espaço? É a mesma consciência. A consciência que não tem forma. Tudo o
resto, na vida, tem forma. Em essência somos essa consciência sem forma que
está por trás dos pensamentos. Mas para experimentá-la é necessário uma
experiência de tranquilidade interior. Se eu tenho apenas um momento de
tranquilidade desperta, por dia, que me faz sentir como é, já entendo o que é a
consciência não condicionada, mais além do pensamento. Uma pessoa que não tem
esse momento, nem sequer um momento, não pode entender de que estamos a falar
agora. Não o entenderia.
No mundo
espiritual, existe uma corrente que costuma usar canalizações, mestres, guias,
etc…no entanto os teus ensinamentos são muito simples, muito práticos. Que
diferença há entre estas duas vias de conhecimento?
Desde o
meu ponto de vista, esta forma de ensino vai até à própria Fonte. Existem
outras formas que vão a um nível intermédio que ainda não tem forma. Há muitos
níveis e cada tipo de instrução tem o seu lugar e as pessoas serão atraídas
pela que corresponde ao seu interior. Estes ensinamentos não têm nada que ver
com a forma, vão directamente à Fonte do ser e por isso são mais simples. Todas
as intermédias são mais complicadas e quanto mais perto da superfície, mais
complicadas, quanto mais profundas mais simples são.
Já chegaste
a alguma conclusão sobre o que há depois da morte?
De
alguma forma, quase posso dizer que já morri, porque se não estás identificado
com a forma, o que resta é o eterno que não tem forma. Entrar nesse estado,
conscientemente é encontrar a morte antes que ela te encontre a ti (risos) e se
entras já na dimensão que não tem forma e entraste na morte, dás-te conta de
que o que chamamos morte na realidade é a vida sem forma. A morte é apenas a
dissolução da forma e fica a vida, o que Jesus chama de “Vida Eterna”. Por isso
a morte, incluindo a que sucede perto de ti quando alguém falece, é sempre uma
possibilidade de realização espiritual. Detrás de cada falecimento esconde-se a
graça.
Então,
para que é que estamos aqui?
Estamos aqui
para que a consciência possa florescer através desta forma e entrar no mundo
das formas para transformá-lo. O propósito da vida, no mais profundo, é ser
como uma porta para a dimensão sem forma, que então entra no mundo das formas e
o converte em algo que já não é hostil.
No livro
“Uma Nova Terra”, estabeleces uma relação entre o que está a suceder no mundo a
nível de catástrofes climáticas, etc., com o estado de consciência dos seres
humanos. Poderias desenvolver essa ideia um pouco mais?
O que
experimentamos como vida exterior, as situações que encontramos, as coisas que
sucedem, as relações que temos, quer dizer, o modo em que a pessoa experimenta
a vida, é sempre um reflexo da sua consciência, do seu estado interior, do
estado da mente. Por exemplo, se uma pessoa está sempre rodeada de pessoas
violentas, encontrar violência em todas as situações, significa que existe algo
dentro dela que é uma força violenta, agressiva. Estas pessoas estão
inconscientes desta situação e uma pessoa completamente inconsciente
experimenta o seu próprio estado como coisas que lhe sucedem desde o mundo
exterior. Se uma pessoa assim se tornasse consciente, de repente, seria capaz
de ver que dentro de si própria, existe violência emocional ou mental e então
começaria a transformação.
Como
pensas tu que a Humanidade estará dentro de 50 anos?
Eu vejo-a
deste modo: As coisas estão a piorar e a melhorar simultaneamente. Existem duas
correntes: a corrente inconsciente que desde há milhares de anos tem sido a
corrente dominante e que continua a ficar cada vez mais demente e a criar mais
destruição, ao mesmo tempo que a corrente da consciência nova, não
condicionada, espiritual, está a surgir. A pergunta é: Até que ponto o
movimento da corrente inconsciente irá continuar? Seguramente irá ter um efeito
cada vez mais destrutivo no planeta, mas ao mesmo tempo, também se está a
desenvolver a consciência nova.
Ninguém
sabe, nem eu também, se a Humanidade se está a separar em duas espécies
distintas. É uma possibilidade que uma parte da Humanidade não entre na
consciência nova e outra sim; então faz-se uma separação como se fossem duas
espécies diferentes. Outra possibilidade é que ao mesmo tempo que há cada vez
mais destruição, a consciência que está a despertar chegue a um ponto crítico e
quando o alcance, os inconscientes também se sintam arrastados à consciência. É
muito possível que ao ver a destruição e sofrimento que criaram, sejam atraídos
pela consciência nova. Eu vejo estas duas possibilidades, mas como não sou
clarividente, não sei o que irá suceder. Ainda que não creio que a consciência
velha e destrutiva, continue a ser a dominante, porque cada vez há mais gente a
despertar.
Acreditas
que existe um plano para a evolução da consciência ou isso é algo que se vai
delineando no caminho?
Ambas.
Há uma meta para o Universo. Existe um impulso evolutivo e está a dirigir-se
para um ponto. Nesse sentido creio que há um plano, mas todos os detalhes se
desenvolvem espontaneamente. Existe um plano muito grande que alguém jamais
será capaz de entender através do pensamento. Às vezes eu sinto o que é, mas
nunca poderia expressá-lo.
Como é
um dia comum na tua vida?
Muito
simples. Eu penso relativamente pouco. Na vida diária, se estou com uma pessoa,
eu escuto-a até que as palavras surjam, ou se estou na rua a comprar, também
tenho poucos pensamentos e reacções. As situações são como devem ser. A vida é
simples. Muito poucas vezes penso no passado e a atenção está na simplicidade.
O momento presente é sempre muito simples, porque só ele existe. A consciência
está na simplicidade do momento presente. Há paz inclusivamente se algo não
está bem.
Não
carrego uma identidade. Por exemplo, na instrução espiritual as pessoas
chamam-me mestre espiritual e pensam que essa é a minha identidade, mas eu
vejo-o simplesmente como uma função. Quando estou com um grupo de pessoas e
estou a falar, então sou o mestre espiritual, mas no momento em que saio da
sala, deixo de ser o mestre e somente existe uma consciência aberta que não
leva uma imagem de quem sou. Porque cada imagem que levas te conduz ao
sofrimento.
Vou pela
rua sem ser ninguém em particular, simplesmente um espaço consciente. Estás a
passear não como uma pessoa, mas como um espaço consciente, ou estás a tomar um
café não como uma pessoa, a pensar na tua história pessoal, mas simplesmente
como um espaço consciente, sem levar definições constantes de quem sou ou a
falar comigo mesmo da minha vida com essa voz interior que me conta coisas da
minha vida: “não estou contente com a minha vida” ou coisas deste tipo, que são
contos, pensamentos. (Risos) Estas complicações, não as tenho, felizmente.
(Risos).
É
curioso que o teu nome Eckhart, seja o mesmo que o de um místico alemão da
Idade Média chamado Meister Eckhart, Coincidência?
O nome
que me deram ao nascer não era Eckhart. Durante um tempo eu tive um sonho
repetitivo com uns livros. Sabia que tinha sido eu quem os tinha escrito, mas
quando os olhava tinham escrito na portada o nome “Eckhart”. Apesar disso eu
sabia que tinha escrito esses livros. Uns dias mais tarde, eu ia a caminhar
pela rua quando um amigo me cumprimentou e me chamou Eckhart. Depois disse-me:
não sei, foi a palavra que me saiu da boca. Isto sucedeu na época da minha
transformação espiritual e o meu nome antigo já não tinha vida. Foi o sinal de
que era o momento certo de mudar. A vida deu-me esses dois sinais para o fazer.
Tradução:
Lúcia
No comments:
Post a Comment