OS
CIENTISTAS ACREDITAM SER POSSÍVEL QUE O UNIVERSO QUE NOS RODEIA NÃO SEJA REAL
Philip
Ball BBC Earth
9
de Outubro de 2016
És real? E eu?
Actualmente,
alguns físicos, cosmólogos e outros cientistas não têm problemas em aceitar a
possibilidade de que todos estejamos a viver dentro de uma simulação
computorizada gigante, como no filme famoso do fim dos anos 90, “The Matrix”.
Rebelamo-nos
instintivamente perante essa ideia,
claro. Sentimos tudo demasiado real como para ser uma simulação.
Mas
pensem um momento no progresso
extraordinário que se tem dado na parte da informática e outras
tecnologias, nas décadas recentes.
Os
computadores têm-nos oferecido jogos de um realismo impressionante, tal como simuladores
de realidade virtual muito convincentes. É
mais do que suficiente para nos deixar paranóicos.
Como
distinguir entre a realidade e a simulação? E realmente importa em qual das
duas vivemos?
O
Universo é uma experiência
A
ideia de que fazemos parte de uma simulação tem alguns simpatizantes de alto perfil.
Em
Junho de 2016 o empresário do ramo da tecnologia Elon Musk indicou que as
probabilidades de que estivéssemos a viver numa realidade objectiva era “uma em
mil milhões”.
Nessa
mesma ordem de ideias, tanto Alan Guth do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts, nos estados Unidos, como o guru das máquinas inteligentes, Ray
Kurzwell, sugerem que “talvez todo o
nosso Universo é um experimento de ciência de um estudante de secundária de
outro Universo”
Nenhum
deles acredita que sejamos seres físicos presos numa realidade falsa, como em
The Matrix. Por outro lado, existem pelo menos duas formas em que é possível
que o Universo que nos rodeia não seja real.
O
cosmólogo Alan Guth de MIT sugeriu que o Universo pode ser uma espécie de
experimento de laboratório, concebido
devido a um Big Bang artificial, por alguma inteligência superior.
Depois
de formado, criou a sua própria bolha de tempo-espaço. Mas se acreditamos nesta
teoria, o Universo resultante seria
perfeitamente real, ainda que se tivesse originado por um processo
artificial.
O
segundo cenário – que muitas personalidades como Musk apoiam – sugere que os
seres humanos, somos seres completamente simulados: pouco mais que informação manipulada por um grande computador, como
os personagens de um jogo de vídeo.
Neste
Universo não existe forma de escape ao estilo de Matrix: este é o lugar onde
vivemos e é a nossa única oportunidade de viver.
Mas, porque acreditar nesta possibilidade tão
estrafalária? A resposta é simples: já recreamos o mundo através da
realidade virtual.
Não só realizamos simulações para os jogos de vídeo,
mas também para investigações científicas. Quem foi que disse que dentro de
pouco tempo seremos capazes de criar seres virtuais com indícios de
consciência?
Se
alguma vez alcançarmos esse nível, estaremos a desenvolver uma quantidade
enorme de simulações, mais além do nosso mundo “real”.
Então
não é possível que um ser inteligente num outro ponto do Universo já tenha
chegado a esse nível?
Um
mundo virtual
O
filósofo Nick Bostrom, da Universidade de Oxford, definiu três possibilidades
relacionadas com esta ideia:
1.
As civilizações inteligentes nunca chegam a
se desenvolver a um nível tão elevado como para produzir estas simulações,
porque talvez se destroem a si próprias.
2.
Uma civilização alcançou a capacidade para
fazer estas simulações, mas por alguma
razão decidiu não realizá-las.
3.
Existe uma probabilidade muito elevada de que
estejamos a viver numa simulação.
Qual
destas três opções é a mais provável?
O astrofísico e vencedor do prémio Nobel, George
Smoot, indicou que não existem razões sólidas para acreditar nas opções 1 e
2.
É
certo que a Humanidade tem causado uma grande quantidade de problemas. Por
exemplo, a mudança climática, as armas nucleares e a possibilidade de uma
extinção maciça. Mas nenhum deles tem de ser terminal, obrigatoriamente.
Com
o aspecto a favor de que não existe nada que determine que simulações
verdadeiramente detalhadas, nas quais os agentes se experimentam a si próprios
como reais e livres, sejam impossíveis, em princípio.
Smoot
acrescenta que, dado o conhecimento alcançado neste momento sobre a existência
de outros planetas, seria o cúmulo da
arrogância pensar que somos a inteligência mais avançada do Universo.
E
que dizer da opção 2? Smoot pensa que também é improvável. Depois de tudo, uma
das razões pelas quais fazemos simulações, actualmente, é para conhecer melhor
o mundo real; para fazê-lo melhor e salvar vidas. São motivos eticamente
indiscutíveis para continuar a recriar a vida.
Com
esses argumentos só nos resta a opção # 3: Provavelmente,
estamos numa simulação.
Como
demonstrá-lo?
Uma das formas de averiguar se estamos a viver numa
simulação, é procurar falhas no programa que a produz.
Por
exemplo, encontrar inconsistências nas
leis da física.
Também
se podem encontrar erros devido ao arredondamento de números nos computadores,
como o sugeriu uma vez o perito em inteligência artificial Marvin Minsky.
Por
exemplo, cada vez que um evento tem vários resultados possíveis, as suas
probabilidades devem somar 1. Se detectamos que não é assim, algo deve estar
mal.
Para outros cientistas, a prova de que estamos numa
realidade virtual baseia-se no próprio Universo: tudo está desenhado para
que encaixe perfeitamente.
Inclusivamente
a menor alteração das forças naturais teria feito do átomo uma partícula instável,
ou teria feito impossível a vida na Terra.
A
mecânica quântica tem descoberto muitíssimas coisas estranhas. Por exemplo, tanto a matéria como a energia parecem
granulares: como a pixelização de uma imagem, quando vista, com muito “zoom”.
Outro
argumento poderoso é que o Universo
parece funcionar através de linhas matemáticas, como se fosse um programa
de informática.
No
entanto, este argumento parece contradizer-se: se uma inteligência superior
estivesse a criar simulações no seu próprio mundo “real”, era suposto que o
fizesse baseando-se nos princípios físicos que regem o seu Universo, assim como
nós o fazemos com o nosso.
Nesse
caso, o motivo pelo qual o nosso mundo é matemático não seria porque é
administrado por um computador, mas sim porque o mundo “real” também o é.
Em
qualquer caso, é muito difícil - senão impossível – encontrar evidência
consistente que demonstre que estamos numa simulação.
Em palavras de Smoot, talvez nunca o saberemos,
porque a nossa mente não está pronta para enfrentar essa tarefa.
Depois
de tudo, desenham uns agentes numa simulação para que funcionem dentro de umas
regras, não para que as incumpram.
Realidade
quântica
No
fundo deste debate repousa a ideia que talvez reduza a preocupação por
determinar se somos apenas informação, manipulada por um computador gigantesco.
De
todos os modos, para alguns físicos, é isso precisamente que o mundo é.
A teoria quântica está cada vez
mais a ser formulada em termos de informação e informática. Alguns
especialistas acreditam que no seu nível mais fundamental, pode ser que a natureza não seja matemática, mas sim informação pura:
como os zeros e uns dos computadores.
O
reconhecido físico John Wheeler propôs que tudo o que sucede, desde a
interacção da particular, em certa forma é uma questão de informática.
“Se
olhamos o interior do Universo – a estrutura da matéria na sua escala mais
pequena – damo-nos conta que não são mais que bits a realizar operações
digitais locais”, diz Seth Lloyd, do Instituto Tecnológico de Massachusetts.
Isto leva-nos ao núcleo do assunto. Se a realidade é
apenas informação, então nós não somos mais ou menos “reais”, se estamos numa
simulação ou não. Em qualquer caso, informação é tudo o que podemos ser.
Quase
que com certeza absoluta Elon Musk não vai por aí dizendo que todas as pessoas
que vê são construções feitas por computadores, que processam dados codificados
pela sua própria consciência.
Em
parte porque é impossível manter essa imagem durante muito tempo nas nossas
mentes e também, porque no fundo sabemos que a única noção de realidade que
vale a pena ter, é a que experimentamos e não algum, hipotético, mundo detrás
de tudo.
O conceito do “mundo como simulação” toma uma velha
discussão filosófica e veste-lhe uma roupa de tecnologia. Isso não faz mal a ninguém:
simplesmente anima-nos a examinar as nossas crenças e preconceitos.
Mas
até que se possa demonstrar que distinguir entre o que experimentamos e o que é
“real”, se traduz numa diferença entre o que observamos ou fazemos, a nossa
noção da realidade não muda de maneira significativa.
A
princípios do século XVIII o filósofo George Berkeley argumentava que o mundo
era uma simples ilusão.
E
para questionar esta ideia, o escritor inglês Samuel Johnson exclamou: “eu
refuto isso”, e deu um pontapé numa pedra.
Na
realidade Johnson não desmentiu nada. Contudo, pode ser que se lhe tenha
ocorrido a resposta certa.
Tradução:
Lúcia
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